Empresas se estruturam para lidar com demandas imobiliárias

Veja cases de companhias como Johnson & Johnson e Magazine Luiza.

7 de março de 2018Mercado Imobiliário
Os imóveis costumam responder pela segunda maior despesa corporativa, superados apenas pela folha de pagamento. Nada mais lógico, portanto, do que as companhias estarem buscando se estruturar cada vez melhor para lidar com as questões relativas a esse segmento – um movimento que interessa e muito a desenvolvedores e proprietários de escritórios, galpões e propriedades voltadas ao varejo a fim de estabelecer relações frutíferas e longevas com os ocupantes.

Por muito tempo, as atividades relacionadas a real estate foram desempenhadas de forma descentralizada nas organizações, sob a responsabilidade de departamentos não especializados, como o financeiro e o de Recursos Humanos, ou então debaixo do guarda-chuva de Operações. Na América Latina, ao longo da última década é que os organogramas da uma fatia representativa das empresas começaram a ganhar uma nova caixinha, majoritariamente conhecida como Corporate Real Estate, mas que pode receber nomenclaturas variadas, conforme a cultura institucional.

A efetiva existência de uma área imobiliária corporativa e o nível de sofisticação de sua conformação são reflexo direto do porte da companhia e da quantidade e diversidade de propriedades exigidas para o adequado andamento dos seus negócios. Multinacionais e grandes corporações nacionais tendem a contar com estruturas mais robustas, ao passo que, em empresas menores, os profissionais especializados, quando existem, acumulam também responsabilidades correlatas, a exemplo de gestão de facilities, compras e contratos, até como forma de enxugar custos.

"Trata-se de uma necessidade de toda as empresas, multinacionais ou não, que tenham mais de uma planta. A partir do momento em que se diversifica a ocupação e se passa a usar mais de um espaço ao mesmo tempo, a conta da estrutura da companhia para ter um profissional de real estate já faz sentido", avalia Gabriella Marques, que soma anos de experiência em Corporate Real Estate atendendo diversas companhias e atualmente é líder de Leasing & Asset Management da Tishman Speyer.

Missão e vantagens

A missão do Corporate Real Estate é clara: entender profundamente o negócio da companhia, sua vocação, seus planos e suas demandas, mantendo constante interação com os clientes internos, ou seja, as divisões da empresa que geram requisição de espaços, para oferecer soluções e também se antecipar a tendências e necessidades; e, em paralelo, saber o que o mercado imobiliário tem a proporcionar e fazer com que as solicitações específicas da corporação sejam ouvidas e atendidas. Em suma, o esforço é para conseguir juntar as duas pontas da maneira mais eficiente possível e auxiliar a organização na tomada de decisões que envolvam crescimento ou ajuste da metragem ocupada.

Para as empresas ocupantes, as vantagens de dispor de uma área de real estate vêm se mostrando significativas. Abrangem aspectos como padronização da busca e da seleção de imóveis, permitindo redução de custos e riscos; concentração da recepção das oportunidades e demandas imobiliárias em um ponto focal; suporte de um profissional ou uma equipe especializada com experiência técnica e jurídica; e um olhar atento à otimização das despesas com ocupação.

"Uma estrutura fragmentada pela organização, como existia no passado, despadroniza demais o processo em valores, termos contratuais e critérios para selecionar o imóvel e verificar pendências e riscos", comenta Ricardo Ruiz Rodrigues, diretor de Logística do Magazine Luiza. Lá, a divisão imobiliária corporativa foi denominada Expansão. "De um lado, a empresa trabalha para aumentar as vendas e, do outro, para pagar o mínimo possível de locação, tendo um especialista que é a área de Expansão cuidando dessa conta o ano todo", completa ele.

Equipes enxutas

Quando um departamento de real estate está presente, via de regra, é ele o canal-chave de contato dos proprietários de imóveis com as companhias, de modo que a prática de se interação direta com CEOs para negociar uma propriedade vem nesses casos, gradualmente, caindo em desuso.

As áreas de corporate real estate usualmente são bastante enxutas. Normalmente, se vê de um a três profissionais que se dedicam às funções mais estratégicas da posição e se apoiam em outras partes da empresa ou na contratação de terceiros para a execução das atividades operacionais – por exemplo, obtenção de licenças de funcionamento e seguros de patrimônio, assim como pagamento e controle de aluguéis.

Entre as grandes corporações, a opção por receber o suporte de consultorias imobiliárias é quase unânime, seja via contratos abrangentes ou pontuais, com um fornecedor ou mais. "Todas as empresas em que trabalhei tinham consultoria envolvida. O que varia são os modelos", conta Renato Fusaro, diretor de Real Estate da Johnson & Johnson para a América Latina. Antes, ele passou por instituições como General Motors e Citibank.

No caso de multinacionais, em boa parte das vezes, as parcerias com consultores são globais, o que traz prós em termos de uniformidade e padrão das condutas, mas também possíveis contras, se os modelos forem muito fechados e não necessariamente atenderem a todas as particularidades locais.

Nas multinacionais, as decisões concernentes a imóveis crescentemente têm migrado para uma hierarquia vertical. Nessas circunstâncias, os profissionais de real estate se reportam não aos CEOs de seus países, e sim aos gestores imobiliários globais, e as premissas internacionais de ocupação (metragem mínima por funcionário, exigência de sprinklers, quantidade de saídas de emergência etc.) são determinantes para qualquer resolução, tendo de ser conjugadas com as normas locais, numa equação nem sempre simples.

Olhando para o futuro, o que se espera é uma maior disseminação e consolidação do Corporate Real Estate, com entrosamento progressivo entre todas as células das organizações que lidam com ativos imobiliários (Real Estate, Projetos e Layout, Facilities) e os demandam (Operações, Logística, Negócios etc) nas mais variadas etapas – dos processos de seleção dos imóveis aos concernentes à efetiva ocupação.

Case Johnson & Johnson

Na Johnson & Johnson, a área de Real Estate para a América Latina nasceu há cerca de dois anos. Antes, estava acoplada às Américas como um todo, dividindo atenção com projetos da América do Norte e sem contar com expertise específica para a região.

Quem responde por essa seção é Renato Fusaro, que, na estrutura vertical implementada pelo grupo, se reporta ao líder global de Real Estate e tem autonomia para aprovar, sozinho, contratos de até R$ 1 milhão.

Ele não possui equipe própria e conta com o apoio de uma consultoria imobiliária, parceira da companhia em todos os continentes. A cooperação prevê um consultor dedicado 100% à J&J na América Latina e sua participação contínua na relação com os proprietários. Renato valoriza esse formato por oferecer flexibilidade. "Acho muito mais fácil de trabalhar", elogia.

Todo início de ano, a área de Real Estate traça o planejamento estratégico de escritórios para a América Latina considerando o quinquênio a seguir e o apresenta aos managing directors e CFOs dos respectivos países.

"Também sou envolvido no planejamento de logística em todo o tempo. Sempre que um contrato de locação ou a compra ou venda de algum ativo entra em pauta, sou chamado. Na empresa, há uma norma que determina que só quem pode fazer isso é Real Estate. Assim, foram fechadas as 'torneirinhas'. Antigamente, quando não existia essa centralização, cada setor fazia o que queria", relata o diretor.

O planejamento tem possibilitado obter ganhos de eficiência, frutos de contratos de longo prazo e prédios melhores. Além de contemplar a expansão da operação, a implementação das estratégias, aos poucos, geralmente usando como gatilho as datas de final de contrato de locação em vigor para evitar multas, vai liquidando pendências oriundas do passado descentralizado – assim como imbróglios herdados da compra de outras empresas, que se uniram à J&J trazendo consigo os imóveis que já ocupavam, muitas vezes fora do padrão global aplicado pelo grupo.

No que toca especificamente a galpões, a prática da J&J de contratar prestadores de serviços logísticos que provejam também espaço físico vem sofrendo transformações a partir da América Latina. "Adotamos um approach diferente das outras regiões", diz Renato.

Ele tem preferido contratar diretamente a propriedade com a meta de conseguir, além de mais eficiência, liberdade para trocar o fornecedor do serviço se ele não demonstrar o desempenho esperado, já que o espaço, em qualquer cenário, permanece dentro de casa. "A companhia agora quer implementar essa tática na América do Norte e na Europa, pois percebeu valor agregado", adianta.

Experiência do Magazine Luiza

No Magazine Luiza, a equipe que cuida da parte imobiliária também é pequena. No setor chamado de Expansão, estão o gerente corporativo Daniel Cremonini e mais dois profissionais. A lógica do trio é concentrar a inteligência e a governança da atribuição, e compartilhar o lado operacional com células dentro de outros departamentos.

"Há um pessoal em Franca [onde está a sede do grupo] que faz os pagamentos, além do Jurídico, que dá suporte [legal], da área de Arquitetura, responsável pelos projetos, da divisão de Engenharia, que executa as obras, e do time que cuida da regularização dos imóveis e dos alvarás. Assim, otimizamos o trabalho', explica Daniel.

A estratégia de abertura de lojas é desenhada sempre no segundo semestre do ano anterior. Já a coordenação logística prevê um planejamento estratégico quinquenal e outro tático, bienal. O departamento de Expansão atua em conjunto com o de Operações (lojas) e o de Logística e entende esse amálgama como um grande diferencial, que permite tomar decisões a várias mãos, mais embasadas e acertadas.

O Magazine Luiza faz uso de consultorias imobiliárias variadas, pontualmente. "Trabalhamos com consultores tanto para a ampliação de lojas quanto para a de centros de distribuição, mas não são sempre os mesmos. Há parceiros de longa data; porém, sempre procuramos ampliar o leque para trazer as melhores ofertas, fechar bons negócios e manter a porta aberta para possíveis oportunidades", diz Daniel.

Usualmente, é o consultor quem faz o primeiro contato com os proprietários, muitas vezes sem revelar quem é o cliente para não criar expectativas e escapar de uma possível supervalorização na locação. Se as conversas avançam, aí entra a equipe da rede varejista, que dá prosseguimento à negociação das condições comerciais e conduz os processos seguintes internamente.

O grupo atesta diferenças nítidas no relacionamento com os proprietários dependendo do tipo de imóvel. Enquanto em galpões e escritórios há predominância de interlocutores mais profissionalizados, nas lojas existe uma plêiade de pequenos donos caracterizados por maior informalidade.

Sobre as lojas, Daniel dá a dica: "Gostamos do proprietário que possua tudo regularizado ou que, pelo menos, não tenha medo de 'correr atrás' da regularização. O melhor é que já conte com toda a documentação adequada, pois isso gera eficiência para a abertura do novo ponto. Do contrário, acontecem retardos na operação, mas nada que impacte fortemente a tomada de decisão".

Com referência aos galpões, é Ricardo, o diretor de Logística, quem transmite o recado. "É importante que o proprietário possua certa estrutura, tenha conhecimento de mercado e padronização na construção porque isso nos dá segurança", afirma. "Esperamos prontidão e facilidade para resolver questões que surjam com relação ao imóvel. Muda tudo quando o proprietário é de fácil acesso e tratativa. Infelizmente, há casos em que isso não ocorre, sobretudo em locações antigas. Para as novas, olhamos muito a capacidade do parceiro de responder às demandas imprevistas", adiciona.